Estudantes: Sim, vocês também podem!

// 22 abril 2009 // Pesquisas

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Final de semana passado (16 e 17/4) estive em Recife participando do Simpósio Nacional de Biocombustíveis, o Biocom. Os organizadores, a UFPE (Profª Silvana Calado) e a ABQ – Associação Brasileira de Química (Celso Fernandes) deram um show de como se organiza um seminário. Grande participação de estudantes locais, sobretudo do amigo Prof. J. Geraldo Pacheco (UFPE) e de caravanas de outros estados, como a organizada pelo Prof. Gabriel da Silva (UFS), pessoa muito especial na área do biodiesel. Além da minha palestra, assisti e participei de mesa-redonda com os colegas Prof. Arnaldo Walter da Unicamp e Prof. Luiz Ramos da UFPR.

O Professor Arnaldo fez um interessante paralelo entre as indústrias de álcool e biodiesel. O Professor Luiz Ramos, coordenador nacional do grupo temático de co-produtos do biodiesel, fez uma excelente apresentação dos diversos trabalhos em andamento no país que buscam aproveitamentos para a glicerina, todos projetos apoiados pelo MCT. Na minha apresentação, abordei três problemas diretamente associados à produção de biodiesel:
a) o impacto do custo das matérias-primas (óleos e gorduras);
b) a rota etílica;
c) a acidez da matéria-prima (veja minha apresentação abaixo).

O evento como um todo foi bastante acima da média. Fico feliz ao ver que passamos da fase de ter que abrir seminários com as clássicas transparências explicando “O que é o biodiesel” ou “Principais vantagens do biodiesel”. Pouco a pouco vamos avançando e as discussões vão se tornando cada vez mais maduras e práticas. Felizmente, sempre um público de jovens estudantes nos surpreende com grande entusiasmo e vontade de “ver acontecer” o resultado de suas pesquisas em realidade prática, em tecnologia.

Lembro-me bem quando, na minha época de aluno de mestrado e doutorado, estudava processos catalíticos da indústria de petróleo e petroquímica. Participava de seminários em que me sentia tremendamente distante da zona de decisão/transformação desses setores. Indústrias muito mais maduras e com enormes centros de pesquisa ao redor do mundo deixavam apenas poucas migalhas para nós… Era um tanto frustrante. Nossos estudos se perdiam em uma centena de outros similares encomendados pelas grandes indústrias e… só nos restava publicar nossos resultados. Sim, a indústria de “papers científicos” era a única que nos ouvia. Logicamente, após dias de esforço redacional, idas e vindas corrigindo os textos de acordo com os “referees” internacionais. Algumas vezes ouvi de pesquisadores europeus e americanos: “Adoramos os artigos dos brasileiros… Vocês publicam tudo, tudo explicadinho, com todos os detalhes”. Direta ou indiretamente, nossos resultados de pesquisa iam parar nos braços de grandes grupos multinacionais que, com uma super infra-estrutura, amplificavam nossos experimentos, gerando tecnologia para eles. É claro que isso ainda acontece aos montes em muitas áreas de pesquisa.

Uma das importantes diferenças dessa área de biocombustíveis é que o Brasil ganhou certa auto-estima nesse setor. Isso faz uma tremenda diferença! Incrível como hoje vemos grupos de universidades do interior de Minas Gerais, de Goiás, do interior do Nordeste, do Norte do país, desenvolvendo processos já pensando em plantas-pilotos, já pensando em patentes. Uma verdadeira democratização da pesquisa científica no país. Certamente é muito mais barato montar um laboratório razoável de biocombustíveis do que um equivalente na área de petróleo e gás. Do mesmo modo, montar uma pequena planta de biodiesel é infinitamente mais simples do que realizar a extração e o refino de petróleo. Mesmo que o biodiesel não trouxesse nenhuma vantagem social ou ambiental, a promoção científica trazida por esse tema com certeza resultará em mais bons frutos ao país. Isso é mais importante do que imaginamos. Em paralelo aos ensinamentos formais da ciência que devo transmitir durante minhas apresentações, sinto uma comunicação com meu público que transcende as fórmulas e equações.

Na classificação dos quatro discursos aristotélicos, não se trata apenas de um discurso analítico da físico-química, nem meramente um discurso dialético na visão pragmática de um engenheiro, avaliando os prós e contras de cada tema. O discurso retórico está implícito na atividade de um profissional da educação. Um professor, como é o meu caso. Mais que tudo, a comunicação metafísica, ou discurso poético, como queiram, é transmitido nas entrelinhas, subliminarmente. Na prática, mesmo que não de forma explícita, os estudantes pensam assim: “Se esse caboclo, sujeito com cara de brasileiro misturado (e de fato tenho DNA africano, judeu sefaradi, espanhol, português, fora outros que nem sei…) conseguiu chegar a um certo patamar interessante, passar da pesquisa teórica para realidade prática, então… EU TAMBÉM POSSO!”.

Se eu consigo suscitar essa reflexão em algum(a) estudante, então posso ir pra casa (ou para o próximo seminário 🙂 ) sossegado. Essa “metanóia” vale mais que tudo. Minha missão foi cumprida!

Falando nisso, nos próximos dias estarei falando sobre o evento onde estou agora, em Trieste, na Itália. Um evento de biocombustíveis promovido pela Unido (United Nations Industrial Development Organization).

Catálogo do biodiesel 2010



Um comentário em “Estudantes: Sim, vocês também podem!”

  1. itamar cavalvante disse:

    Prof. Donato: depois da empolgação inicial, eu meio que tinha me distanciado do tema biocombustíveis… Descubro agora o seu site: que bela surpresa, pela qualidade “científica” e relevância dos temas tratados, e, acima de tudo, pela consistência e também qualidade de redação dos textos. Que me desculpem a sinceridade, mas os técnicos, engenheiros, o pessoal das exatas não é exatamente um primor nessa área, muito e muito ao contrário! Parabéns e sucesso ainda maior!

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