Pré-sal renovável II
// 08 dezembro 2009 // Energia renovável
por José Trein / UFRJ
Na primeira parte do artigo propus um cálculo que não é, e nem pretende ser, absoluto, antes disso, é um convite ao leitor para refletir sobre as possibilidades e potencialidades de nosso país com relação aos biocombustíveis. Porém, se as promessas do “Pré-Sal Renovável” são animadoras, trazem também consigo grandes desafios.
A auto-suficiência energética tem sido perseguida por quase todos os países, mesmo quando significa optar por alternativas pouco atraentes do ponto de vista econômico e energético, como o etanol de milho produzido no Estados Unidos. Já a exportação de grandes volumes deve ser vista com mais cautela, pois conceitos associados ao Pré-Sal como a “doença holandesa” ou mesmo a “maldição das matérias primas”, podem se aplicar também à produção em larga escala de biocombustíveis. A depender da cultura escolhida, surgem ainda outros problemas, como no caso da soja, que demanda grandes extensões de terra devido ao baixo rendimento de óleo por hectare, compete com alimentos, agrava a dependência de importação de fertilizantes e cria um desequilíbrio no mercado dos subprodutos, se produzida nos montantes referidos.
Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) é uma importante ferramenta de análise, que nos ajuda a ter uma melhor idéia dos impactos causados pela produção, quando nos volumes considerados. Neste tipo de estudo, são analisadas todas as etapas de produção, como a mineração, transporte e processamento dos fertilizantes que serão usados na plantação, consumo energético envolvido na transesterificação do óleo vegetal, transporte do biodiesel até os postos de combustíveis, etc. Em um estudo bastante completo e criterioso, que avaliou soja e dendê como matérias primas para produção de biodiesel, ficou clara a vantagem do segundo em quase todos critérios de desempenho ambiental e econômico (Marzullo, 2007). Outro ponto de destaque do estudo foi a constatação que um dos critérios que mais comprometem a sustentabilidade da produção em grande escala é o consumo dos recursos naturais, em especial o da rocha fosfática, que apresentou um impacto proporcional mais de 50 vezes maior que os demais recursos, para ambas as culturas. Isso se deve ao fato de serem usadas grandes quantidades deste insumos e de que suas reservas mundiais conhecidas podem sustentar a demanda por apenas mais 77 anos (Geological Survey, Mineral Commodity Summaries apud Marzullo, 2007). Certamente, novas jazidas serão encontradas no futuro, porém assim como o petróleo não convencional ou o caso do minério de ferro usado nos Estados Unidos, que hoje conta com apenas 1/3 da concentração das primeiras jazidas, a tendência é de que o custo de extração e o consumo de energia por tonelada de rocha fosfática extraída aumente conforme escasseiam suas melhores fontes.
No caso da cultura da cana-de-açúcar a adição das cinzas da queima da palha e do bagaço ao vinhoto, e a pulverização deste nos campos, resolve em grande parte o problema da demanda por fertilizantes, por promover um eficiente reciclo dos nutrientes. Para o caso do biodiesel isso pode ser alcançado se o farelo ou torta resultante da extração do óleo for usada na ração animal no país, ao invés de ser exportada para a Europa, onde tem contribuído para a acidificação do solo (Cavallet, 2008). Outros benefícios paralelos desta mudança seriam o aumento da capacidade de lotação de animais no campo, devido à ração complementar e à diminuição da emissão de metano resultante do metabolismo animal, devido ao aumento do teor protéico de sua alimentação.
Como mencionado acima, as terras em descanso seriam um dos grandes trunfos do Brasil para aumentar sua produção. Mas a questão da mudança do uso das terras têm sido justamente um dos focos dos debates mais acalorados entre os pesquisadores que trabalham com ACV. No ano passado um estudo chamou a atenção para o impacto que poderia ter o aumento das fronteiras agrícolas ao liberar os estoques de carbono presente em florestas, pântanos e mesmo no próprio solo, que abriga mais carbono que o contido em toda a atmosfera ou no reino vegetal(Searchinger et al, 2008). No entanto esta visão não é uma unanimidade e apesar de ter constatado que o Brasil ainda emitia 6,6g CO2/m2.ano no Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa (2006), o pesquisador da USP Carlos Clemente Cerri destaca que é possível reverter esta situação com uso de práticas agrícolas adequadas (Cerri et al, 2007).
Assim como aconteceu com a cultura da cana ao longo de décadas de desenvolvimento, o biodiesel tem ainda um grande caminho a trilhar no sentido de levar a otimização de processos para fora dos limites da unidade fabril, em direção à lavoura, ao transporte, ao reciclo dos insumos, à utilização de subprodutos, etc. A concentração da plantação no entorno da unidade produtora do biodiesel, por exemplo, como já ocorre nos setores de celulose e alcooleiro, promoveria a redução do consumo de combustível para o transporte da matéria prima. Da mesma forma o uso, dentro da propriedade, de caminhões de maior capacidade, como bitrens, tritrens e até pentatrens já usados em estradas vicinais nos canaviais, pode reduzir em quase 50% o consumo de combustível em ml/ton.km transportado (Leal, 2008).
Existem ainda possibilidades que nem sequer abordamos aqui, como o cultivo de microalgas e outras culturas, tanto nativas quanto em processo de adaptação ao nosso clima, que apresentam alto rendimento em óleo. Em todos estes casos o Brasil se encontra em uma posição competitiva privilegiada, pois por se tratar de um país tropical com grande parte de seu território localizado em baixas latitudes, a quantidade de energia solar anual disponível para a fotossíntese possibilita uma vantagem muito interessante frente a outros produtores como Estados Unidos e Europa.
Iniciativas como as apresentadas acima podem duplicar ou até mesmo triplicar balanço energético da produção do biodiesel, dependendo da cultura, levando-o para algo mais próximo aos 8-10:1 já registrados na produção da cana-de-açúcar.
Com perspectivas tão promissoras, é difícil não se empolgar com o que nos reserva o futuro dos biocombustíveis, porém só o estudo e o planejamento nos permitirão tirar o melhor proveito do nosso “Pré-Sal Renovável”.
Bibliografia:
CAVALETT, O. Análise do Ciclo de Vida da Soja. 2008. 245 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Alimentos) – Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
CENSO AGROPECUÁRIO 2006 / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, resultados preliminares. Rio de Janeiro, 2006. 141 p. (Com informações do Censo Agropecuário 1995/96).
CERRI ET AL, Predicted soil organic carbon stocks and changes in the Brazilian Amazon between 2000 and 2030. Agriculture, Ecosystems and Environment, v. 122, p. 58–72, 2007.
ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION – International Energy Outlook. 2008. 260 p.
GIRARDI, E. P., Atlas da Questão Agrária Brasileira. Presidente Prudente: Unesp, 2008. Disponível em www.fct.unesp.br/nera/atlas
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LEAL, M. R. L. V., Evolução Tecnológica da Produção de Etanol: O Passado. In: 60ª Reunião Anual da SBPC, Campinas, jul, 2008.
MARZULLO, R. Análise de ecoeficiência dos óleos vegetais oriundos da soja e palma, visando a produção de biodiesel. 2007. 303 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo.
PLANO NACIONAL DE AGROENERGIA 2006-2011 / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Secretaria de Produção e Agroenergia. 2. ed. rev. – Brasília, DF : Embrapa Informação Tecnológica, 2006. 110 p.
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PRIMEIRO INVENTÁRIO BRASILEIRO DE EMISSÕES ANTRÓPICAS DE GASES DE EFEITO ESTUFA / Ministério da Ciência e Tecnologia. Brasília, DF, 2006. 49 p.
SEARCHINGER ET AL, Use of U.S. Croplands for Biofuels Increases Greenhouse Gases Through Emissions from Land-Use Change. Science, v. 319, p. 1238-1240, fev, 2008.
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