Pré-sal renovável
// 30 novembro 2009 // Energia renovável
Uma das grandes vantagens de estar ensinando na Universidade é que se aprende tanto ou mais do que se ensina. José Trein é um aluno de engenharia química da UFRJ daqueles que fazem a gente ter a certeza de que o Brasil de nossos filhos será melhor que o atual. Veremos a seguir um de seus textos bem interessantes. Na próxima semana (quando ocorre a Conferência de Copenhague) teremos mais textos desse assunto.
PRÉ-SAL RENOVÁVEL
por José Trein / UFRJ
Como sua matriz energética demonstra, o Brasil detém vantagens competitivas incomparáveis. A energia consumida no país é renovável em quase 50% e os biocombustíveis se apresentam como uma das grandes promessas para manter ou até mesmo aumentar esses números. Mesmo assim, a poucos dias da Conferência do Clima em Copenhague o Governo brasileiro ainda discute quais as metas a serem apresentadas e em que sentido deverão estar direcionados os esforços para alcançá-las. Acontece que os compromissos a serem assumidos perante a Comunidade Internacional, além de complexidade técnica, tem implicações econômicas e políticas consideráveis.
Se, por um lado, a questão climática tem sido um grande propulsor na busca de energias alternativas, por outro lado a possibilidade de crises de demanda e a busca da auto-suficiência energética também têm levado os países a intensificar as pesquisas que lhes propiciem alternativas aos combustíveis fósseis.
Estimar quando será o pico da produção do petróleo tem se mostrado uma tarefa difícil e muitas vezes encarada por especialistas como mera especulação, conforme seja sua visão a esse respeito “otimista” ou “pessimista”. Greene et al (2006) analisando, desde uma perspectiva “otimista”, realizou uma interessante compilação de diversos estudos sobre o pico da produção do petróleo e verificou que 86% das previsões levantadas pelos “otimistas” estão concentradas entre os anos de 2016 e 2028.
Se isso não basta para convencer os mais incrédulos quanto ao futuro promissor dos biocombustíveis, basta lembrar que os BRICs, têm previsão de crescimento de suas economias na casa dos 6% até 2030 (International Energy Outlook, 2008) e, como sabemos, historicamente a demanda energética costuma apresentar um crescimento ainda mais vigoroso em relação ao PIB. Analisando a situação específica de cada país, vemos que a pressão sobre a produção de combustíveis para o transporte será uma das de maior destaque, como demonstra o aumento de 80% na venda de veículos na China em outubro passado, frente ao mesmo mês de 2008. Parte desses 920 mil veículos foi adquirida por novos moradores das metrópoles daquele país, provenientes do interior. Esse movimento migratório, rumo aos grandes centros, deve persistir ainda por um bom tempo, justamente nos dois países mais populosos e que maior crescimento têm registrado dentre os emergentes: China e Índia, o que manterá uma crescente pressão por mais combustíveis.
Atento à essa demanda o governo brasileiro já sinaliza, em estudos como o Plano Nacional de Agroenergia 2006-2011 (2006) e o Plano Nacional Sobre Mudança do Clima (2008), sua intenção de investir esforços para que o país se torne grande produtor e exportador de biocombustíveis, almejando inclusive a liderança mundial neste mercado. Mas seria realista ambicionar tanto? Um rápido exercício de cálculo pode nos dar uma resposta.
Segundo o Censo Agropecuário 1995/96 do IBGE as terras produtivas não utilizadas somam 24 milhões de hectares, que podem ser consideradas disponíveis para a produção de biocombustíveis. Contudo, outras fontes oficiais, como o INCRA (Atlas da Questão Agrária Brasileira, 2008), indicam que este valor seria bem maior, chegando a quase 90 milhões de hectares. Porém, como informa o próprio texto do INCRA, seu levantamento está baseado em dados de natureza declaratória, sendo portanto menos confiável que o levantamento feito pelo IBGE. Por sua vez, atualmente as áreas de pastagem abrangem quase 200 milhões de hectares, com ocupação média de apenas 1 boi por hectare, valor este que com uso de técnicas de manejo, tal como o Pastoreio Racional Voisin, pode mais do que dobrar. Em outras palavras, a simples aplicação desta técnica liberaria cerca de mais 100 milhões de hectares. Assim, se chega a um número próximo a 125 milhões de hectares disponíveis; é verdade, valor ainda inferior aos 200 milhões apresentados no Plano Nacional de Agroenergia 2006-2011.
Vejamos o que seria possível produzir, em uma perspectiva bastante conservadora, que venha incluir, até 2109 mais 20 milhões de hectares para a produção de biocombustíveis, sem aumento de produtividade agrícola ou de eficiência no processamento.
Considerando que a área ocupada pela cana para etanol, hoje, é de cerca de 4 milhões de hectares e que a ocupada pelas diversas culturas usadas na fabricação de biodiesel é da ordem de 1 milhão de hectares, admitamos um aumento contínuo e uniforme ao longo do próximo século de apenas 100 mil hectares ao ano para produção de cada biocombustível. Considerando ainda, que a alternativa de matéria prima escolhida para o caso do biodiesel seja o dendê, com dados de produção média fornecidos pela Agropalma, maior produtora nacional de óleo de palma, teríamos uma produção de 3.200 litros de óleo por hectare.ano, ao longo do ciclo produtivo da planta.
Para o biodiesel chegaríamos em 2109 com uma produção de 33 bilhões de litros/ano e uma produção acumulada de 1,74 trilhões de litros produzidos. Já para a cana os números seriam de 94 bilhões de litros/ano em 2109 e uma produção acumulada de 6,13 trilhões de litros.
Os pouco mais de 300 bilhões de litros de etanol já produzidos, desde o início do Próalcool (Goldemberg, 2008a), segundo a metodologia adotada no Plano Nacional Sobre a Mudança do Clima, foram responsáveis pela substituição de cerca 854 milhões de barris de petróleo equivalentes. Seguindo esta mesma metodologia e levando em conta o maior poder calorífico do biodiesel, chegamos ao número de 26 bilhões de barris equivalentes produzidos na forma de biocombustíveis no próximo século; o que evitaria a emissão de 25 bilhões de toneladas de CO2.
Segundo dados do Anuário Estatístico da ANP – 2009, nossas reservas provadas de petróleo são de 12,8 bilhões de barris, já as reservas totais seriam de 20,8 bilhões de barris. Vale lembrar, que ainda em seus primeiros passos o biodiesel brasileiro se torna viável já com o barril de petróleo cotado a US$ 60,00, mesma faixa de preço considerada para exploração econômica do Pré-Sal; com a vantagem adicional de gerar cerca de 10 a 20 vezes mais empregos por litro produzido. Falamos aqui o tempo todo de um cenário bastante conservador, com uso de apenas 10% do total de terras consideradas pelo Plano Nacional de Agroenergia e considerando que não haveria melhoria na produtividade e nem na eficiência do processamento. Não esquecendo, contudo, que para o caso da cana-de-açúcar o aumento de produtividade, ao longo do período de 1975/2004, foi de em média 3,77% ao ano (Goldemberg, 2008b).
Comparando estes valores com os valores acima fica evidenciado o enorme potencial de nosso “Pré-Sal Renovável”.
José Trein / UFRJ
Continuação: Pré-sal renovável II
Veja também:
por Décio Gazzoni: O tesouro da superfície
[…] primeira parte do artigo propus um cálculo que não é, e nem pretende ser, absoluto, antes disso, é um convite ao leitor […]
Eu propus essa teoria mas não saberia escreve-la tão bem. Parabéns José Trein!
Peço licença, pela qualidade do texto, pois publiquei-o no blog.
Obrigada