A despedida de um amigo, um mestre

// 08 junho 2009 // Pesquisas

Octavio

Octávio Augusto Ceva Antunes (dir.)

Após o anúncio da FAB sobre localização de corpos e da asa do Airbus parece não haver mais esperança. No voo AF 447 perdi um amigo, um irmão, um mestre. Perdi mais, perdi uma referência, perdi meu maior conselheiro. Desde meu primeiro dia como professor da UFRJ, há doze anos, meu ex-professor Octávio Antunes passou a investir uma significativa parte de seu tempo em uma colaboração comigo, um recém-doutor, recém-concursado, recém-tudo. Meu grande guru científico.

De um bate-papo informal acabávamos discutindo a Teoria do Orbital Molecular, os orbitais de fronteira na catálise, a enantioseletividade nos medicamentos anti-Aids ou anti-Parkson, de repente estávamos discutindo a quiralidade do Universo, as supercordas, a filosofia de Kant ou a escatologia de São Tomás de Aquino.

Jamais o Brasil teve um químico tão eclético e brilhante como Octávio Antunes. Poucos tão gentis também. Convidava as pessoas que amava para inesquecíveis jantares em sua casa. Tudo preparado por ele. Jantávamos em salas apertadas por uma quantidade absurda de livros, intelectuais e, sempre: alunos.

Não era apenas um professor, era um educador completo. Não possuía preferência por alunos brilhantes. Antes, amava a transformação pela educação. Recebia alunos com baixo rendimento acadêmico, desprezados por outros, alguns chegavam em seu laboratório com deficiência de tudo. Invariavelmente me trazia para que eu observasse o processo. “Donato, o importante é o antes e o depois, o delta. Nós temos condições de transformar a deficiência em excelência”.

Depois de dez anos trabalhando com pesquisa em indústria, Octávio, como sempre, rompeu com o sistema e adotou a Universidade para educar as pessoas. Em apenas dezoito anos de vida acadêmica foram mais de 700 publicações científicas, 23 patentes depositadas. Fármacos, petroquímica, biocombustíveis, não havia limites para seu brilhantismo. Com ele, desenvolvemos um processo de transformação de glicerina em éteres para a Petrobras e licenciamos a patente de biodiesel da Agropalma. Com essa última, ele mantinha forte parceria na inovação tecnológica.

Mas seu maior orgulho profissional eram os alunos, mais de 70 alunos de doutorado e mestrado, entre tantos outros que assistiram aulas inesquecíveis, as vezes caricaturescas, propositadamente hiperbólicas. Métodos próprios de uma didática ímpar e eficiente. Discípulos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Uma multidão de filhos atordoados ao contemplar que até na hora de se despedir, o mestre o faz de forma polêmica, inusitada…

Octávio, seus ensinamentos estão eternizados em nossa memória. Em breve estaremos todos juntos no Reino que, por herança, está preparado para nós. Desde a fundação do mundo!

Catálogo do biodiesel 2010



33 Comentários em “A despedida de um amigo, um mestre”

  1. Marcos de Freitas Sugaya disse:

    Octávio foi uma das mentes mais brilhantes que já conheci.
    Suas idéias inovadoras e a habilidade com que as comunicava sempre me cativaram.
    Quisera ter convivido mais com pessoa tão fascinante.
    Ficamos nós aqui na Petrobras muito tristes, e com muita saudade do amigo que partiu.
    Ficarão permanentemente entre nós, porém, suas idéias, seus ensinamentos e princípios.

  2. Marcio Pessoa disse:

    Muito bem mandado! Simples e tocante.

  3. Lucio Cardozo Filho disse:

    Ele dava e pedia exatamente o que as pessoas precisava e podia oferecer. Eu ainda me encontro em uma fase de surpresa e de emoção. Rezo toda noite para que ele e sua família estejam em um bom lugar e que nos Dê força para continuar lutando. Obrigado Donato pela homenagem e pela iniciativa.

  4. Marcia Cruz disse:

    Fui aluna do Octávio em 1996. Achava-o um louco. Eu, que com muita dificuldade entrei numa universidade pública, me deparar com um proferror falando dos quirais e adotando um livro de Haward, nos considerando e nos tratando como tais, para mim era no mínimo estranho. E as convesas engraçadas? E a sua imagem? Sempre perguntei aos alunos mais novos qual era o seu estilo? Na minha época estava sempre de branco. Figura única e inesquecível!! Uma correção a fazer: Octávio era farmacêutico, assim como eu, com muito orgulho!

  5. Débora de Oliveira disse:

    Ainda me pego pensando se é de verdade…
    Gostaria de poder escrever um último e-mail, de ter dado um último telefonema, de ter tido a oportunidade de aprender algo novo…

    Depois da fase de incredulidade, passo para a fase do egoísmo tão comum a nós seres humanos…gostaria enormemente de poder ter convivido mais com o Octávio…cada encontro era tão enriquecedor,tão maravilhoso…espero que você consiga nos manter iluminados de onde você esteja…

  6. ana paula disse:

    Linda homenagem, como você bem disse, em breve estaremos todos juntos no Reino que por herança está preparado para nós.

    abçs

  7. Sidnei Gomes disse:

    Padrão!!! Uma ótima homenagem a um excelente Professor. Pena não ter tido a oportunidade de conhece-lo mas depois de ler esta homenagem percebo que num brede futuro, no Reino, conhecerei este ilustre Homem. Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada…

  8. Priscilla Henriques disse:

    Muito bem escrito! Expressar em poucas palavras tudo o que uma pessoa significou para nós realmente não é fácil, mas esta tarefa foi belamente cumprida por você! É muito difícil quando pessoas tão especias como ele adormecem na morte, ainda bem que Deus não nos deixa sem esperança … (João 5:28,29; Atos 24:15)

  9. Jussara disse:

    É impossível não se solidarizar com o fato acontecido com o voo da air france, e da forma como aconteceu. Talvez nunca saibamos o que realmente aconteceu, mas temos certeza de os ensinamentos e aprendizados serão eternos.

  10. Rosana disse:

    Até encontrarem os corpos eu ainda tinha um fio de esperança, afinal estava falando do Octávio. Mas por mais próximo de Deus que ele estivesse, era apenas humano. Obrigada por tudo que sou!!!

  11. Lilia Simões disse:

    Donato, não conheci o Octávio, mas por essa sua homenagem entendo que ele era uma pessoa especial. Acho que você conseguiu expressar muito bem o seu carinho e admiração.

  12. Chaline disse:

    a comunidade científica perdeu uma mente brilhante e nós alunos (e ex-alunos) perdemos um mestre e um grande amigo …. o Octávio foi sem dúvida uma das pessoas mais humanas que conhecí… ele se foi deixando saudades…

  13. Vítor Mendes disse:

    Dentre todas as suas geniais frases existe uma em especial que jamais me esqueci: “se seu emprego depender de sua esperteza, qualquer um pode tomá-lo, mas se depender de seu conhecimento, ele é seu para sempre”. Linda e muito mais que merecida homenagem a esse inesquecível mestre!

  14. Patricia Malheiros disse:

    Fico comovida com suas palavras Donato. Percebo um carinho e uma admiraçao que é POUCO COMUM no campo científico.

    O momento é de poucas palavras, mas ninguém poderá negar o legado do Octávio, os fatos falam por si, sua inteligência e seus constantes questionamentos o fizeram GRANDE.

    Hoje nao há tema para debate, nao há teorias, nao há contos filosóficos, expressoes nem fórmulas… hoje ficou a gratidao, a lembrança… a palavra de difícil definiçao … saudade.

    Obrigada por dividir sua emoçao e todo o seu sentimento num momento tao delicado.

    Para todos aqueles que compartem dessa saudade …um abraço apertado.

  15. Thaís Márcia disse:

    Triste demais…eu escolhi o Octávio a dedo pra fazer a minha iniciação científica…. desde as minhas aulas de quimexp eu o admirei……o mais sagaz, o mais perspicaz de todos os professores…..o mais inteligente no mundo dos inteligentes. O Octávio não era mais um professor na UFRJ….muitos o amavam….outros debochavam de sua personalidade por não terem o prazer do convívio e a certeza de que ele era fantástico. O mais espirituoso de todos. Fico imensamente triste ao ver que a mídia só fala do príncipe…da noiva recém-casada…e da filha do desembargador….qdo na verdade deviam tbm ressaltar a grande perda que a UFRJ, o meio científico e nós, alunos e alunas dele, sentimos nesse momento. Sentirei falta de seus conselhos, mas continuarei a segui-los com fidelidade. Ele foi pra mim uma grande influência. Foi um prazer!!!

  16. Jimena disse:

    Em momentos como esse seria oportuno lembrar as belas palavras do poeta Renato Russo,

    É tão estranho
    Os bons morrem jovens
    Assim parece ser
    Quando me lembro de você
    Que acabou indo embora
    Cedo demais.

    Eu continuo aqui,
    Com meu trabalho e meus amigos
    E me lembro de você em dias assim
    Um dia de chuva, um dia de sol
    E o que sinto não sei dizer.

    Vai com os anjos! vai em paz.
    Era assim todo dia de tarde
    A descoberta da amizade
    Até a próxima vez.

    É tão estranho
    Os bons morrem antes
    Me lembro de você
    E de tanta gente que se foi
    Cedo demais

  17. Rafael Monteiro disse:

    Donato, lembro-me bem quando soube da notícia; fiquei perplexo e incrédulo. Mas o que mais me lembra no Octávio foi aquele professor excelente que ele foi (tive aula de Química Inorgânica com ele). Fique com Deus, Octávio !

  18. adelaide antunes disse:

    Donato, querido
    Que Bom Que Deus é Bom, porque além de Octavio, que com orgulho continuei com o nome, de comum acordo, Deus fez você também, que além de cientista é um escritor.
    Valeu amigo

  19. dorival goes disse:

    Dr. Donato
    Já admirava seu talento como pesquisador e cientista.

    Agora veja que atrás dessa aparencia, existe um grande ser humano que sabe reconhecer e avaliar os valores que existem em pessoas especiais como o seu professor Octávio, que como voce exalta, foi realmente um ser humano especial.

    Grande abraço

  20. Murilo Andrade disse:

    Tive o privilégio de conhecer o Octavio Augusto ainda criança. Não só o menino, mas o pai, a mãe, a avó, irmãos, irmãs, cunhados(as), tios, sobrinhos(as) e primos(as). A família Paranhos Antunes sempre foi vanguarda intelectual e inovadora na forma como cuidava da educação de seus filhos. Os Paranhos Antunes sempre estiveram a frente do seu tempo e o Guga com seu temperamento irreverente foi expoente da sua geração. Alcançou toda essa projeção que o seu Currículo Lattes revela que o faz merecedor do reconhecimento acadêmico que seus colegas anunciam. Mas o que mais me emociona é constatar que mais pessoas, mesmo aqueles que não tiveram a oportunidade de conhecê-lo na juventude, puderam decifrar essa figura humana singular. Enfim, o Guga, dono de aguçado espírito crítico que acalentou por toda sua existência uma natureza romântica e solidária. Uma combinação de valores que só os gênios possuem.

  21. Oscar Chamberlain disse:

    Meu caro Donato,

    É tempo de reflexão, tempo de oração por Octavio e por quem ficou.

    Estava para começar uma jornada científica com ele e certamente iria conhecer e aproveitar todas as suas qualidades. Não foi possível, o conhecerei melhor através de seus pupilos.

    Paz para ele, seus entes queridos e amigos.

  22. Jô Ceni disse:

    Obrigada Donato, por colocar em palavras esse sentimento, que é nosso também, dos orientados do Octávio. Com certeza estamos todos órfãos do professor, do mestre, do amigo.

  23. Ricardo Hernández Valdés disse:

    Caro amigo Donato, admiro muito a sua grande carreira como profissional e tb temos vc como exemplo de ser humano. Você realmente tem resumido em poucas palavras o que todos nós sentimos com a perda do Grande Octavio, vc tem resumido o que ele foi para muitos de nós que o conhecimos de perto, que aprendimos a quere-lo com a irreverencia da personalidade que ele expandia por onde passava…. realmente está sendo doloroso para muitos de nós….. até hj nem acreditamos que tenha partido dessa forma….. todos nós: alunos, amigos, parentes, ainda estamos com sede de cada uma das palavras dele…. porque sempre tinha algo para nós ensinar… estou em dívida com ele……. que Deus o tenha na gloria! ou no Inferno como ele sempre nós dizia, mas acredito que por todas boas acões que ele fez ao longo da sua vida…. ele está no lugar merecido! e bem reservado….!
    Parabéns Donato pelas palavras ao Genio, ao amigo ao Mestre e querido Octavio Augusto Ceva Antunes….para ele ainda muitas despedidas, mas sempre o teremos presente…

  24. Robson Monteiro disse:

    Querido amigo,
    Muito obrigado por lembrar a todos nós que fomos impactados pela vida do Octávio, não só do cientista e professor que foi, mas também do ser humano incomparável. Em um país carente de brilhantismo sem interesse, de capacidade e reconhecimento sem apadrinhamento, Octávio se excedeu no meio da mediocridade da ciência e da indústria brasileira. Está em suas mãos este legado, e com certeza o Octávio estão dando gargalhadas no céu, olhando aqui para baixo com o desafio que deixou em suas mãos. Conte conosco!! Um grande e afetuoso abraço. Robson

  25. Alex Johnson disse:

    Meu Caro Amigo,
    eu sinto muito por vc a perca deste grande amigo e mestre,e sinto pelos que ficarao para traz de nao ter conhecido ele.

    saudades de todos e do brasil.
    Seu amigo de Boston

  26. […] a todos os comentários, todos, sem exceção, escritos com a alma. […]

  27. Marlito disse:

    Meu caro Donato, realmente foi uma grande perda, e se você me permite faço minhas as tuas palavras: “No voo AF 447 perdi um amigo, um irmão, um mestre. Perdi mais, perdi uma referência, perdi meu maior conselheiro.”

  28. Erica Cruz disse:

    Professor Donato preciso muito falar com o senhor e não sei seu e-mail. Poderia me enviar?

    Grata

  29. marcilio oliveira disse:

    eternas saudades, do mestre octavio antunes.
    que Deus abençoe a todos.

    ate breve

    marcilio

  30. isabel disse:

    essa mensagen é simplismente emocionante …………..

  31. vinícius disse:

    eu tive aula com o octávio em 1994/2.
    como havia um amigo próximo que fazia estágio com ele, cheguei a ir lá no laboratório dele algumas vezes conversar
    ele era mt engraçado…sacana pra caramba, na sala e mais ainda fora da sala de aula.
    e isso que o nosso amigo aí falou eu percebia tb: ele não tinha preferência por aluno. e era paciente.
    pô…qd houve o acidente eu fiquei 1 semana pensando nele e no filhinho dele, na mulher…fiquei pensando o que eles teriam passado naquele momento.
    sempre q eu lembro do episódio me dá maior aperto.
    era uma pessoa bem diferente, no sentido positivo, que saía da curva normal.
    desde o triste episódio, sempre que penso no octávio eu imagino ele rindo e contando uma sacanagem.
    abraço ao amigo do blog.

  32. Cristina disse:

    Fui colega de turma da UFF em 1971, quando iniciamos o curso de farmácia. Desde então e há muitos anos que não sabia notícias dele, nem de seu paradeiro e sucesso profissional, porque seguimos caminhos diferentes. Mas, já naquela época de estudante, Octávio evidenciava sua inteligência, sua intelectualidade e a genialidade que fatalmente iriam se confirmar em seu futuro. Octávio foi um bom colega de turma e principalmente sempre um especial ser humano. Depois de ler seu depoimento sobre o grande gênio e pessoa que o nosso mundo perdeu, me abateu uma saudade enorme da pequena convivência que tivemos quando jovens. Lamento também de que nossas vidas não oportunaram desfrutar por mais tempo do Octávio. Que Deus o tenha num lugar bem especial.
    Um abraço

  33. VINICIUS disse:

    Agradeço ao Donato a homenagem nesta página.

    A Tragédia com o prof. Octávio é uma coisa que nunca me sai da cabeça, nem nunca sairá. Tanto é verdade que estou aqui ainda hoje, em 2022.

    Lembro-me de quando ouvi no rádio, no dia 1o de junho de 2009, a notícia. Eu estava em meu carro, saindo do trabalho em Niterói. Aí só soube dele no voo no jornal da tv à noite. Quanta tristeza foi aquele dia. Sabe quando você recebe uma notícia e não consegue acreditar?

    Prof. Octávio era um cara muito bacana, bacana mesmo. Foi sem dúvida ele foi o professor mais diferente que tive. Um cara extraordinário.

    Fui seu aluno se não me engano em 1995/1, por apenas 1 período, na disciplina Química Bioinorgânica. Esse curto período foi mais que suficiente para eu observar que ele era realmente um cara diferenciado.

    Isso que o Donato escreveu é verdade: ele dava oportunidade a qualquer aluno sem preconceito. Outra verdade ressaltada acima pelo Donato: o prof. Octávio Ceva Antunes jogava nas 11, tanto em diferentes áreas da Química quanto em assuntos de cultural geral, exatamente como relatado acima pelo Donato;

    Alguns anos após a sua morte, vim a saber que uma sobrinha do prof. Octávio também era farmacêutica como eu, e tinha sido minha colega de escola do 4o ao 8o ano.

    Eu não sei se foi feita, depois de formado nunca retornei à universidade, mas considero que a UFRJ deveria homenagear o prof Octávio com alguma placa ou algo semelhante, o nome de um laboratório, sei lá, alguma homenagem que se perpetuasse no tempo.

    Não somente o prof. Octávio, mas muitas pessoas, discípulos e alunos, elevaram o nome da UFRJ graças ao trabalho do prof. Octávio. Seu nome está definitiva e inexoravelmente inscrito na história na UFRJ.

    O prof. Octávio não era uma pessoa comum.

    Até hoje a tristeza que eu sinto quando lembro de seu destino é inefável.

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