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Por dentro da Bunge: com o tanque cheio


Isto É Dinheiro - 19 dez 2011 - 07:44 - Última atualização em: 27 fev 2012 - 12:29
Exclusivo: a gigante do setor de alimentos e do etanol, comandada pelo executivo Pedro Parente, prepara sua estreia no varejo de combustíveis ao adquirir 50% da ALE, depois de comprar as rivais Etti e Salsaretti.

O escritor americano James Dale Davidson, em seu livro The Sovereign Individual (O Indivíduo Soberano), previu há mais de uma década que as empresas do futuro só resistiriam às rápidas mudanças da economia mundial se desenvolvessem a capacidade de diversificar seus ramos de atuação sem negligenciar a atividade principal. A multinacional americana Bunge, gigante dos setores de alimentos, commodities agrícolas e etanol, tem seguido à risca a cartilha de Davidson. Na última semana, em uma ofensiva sincronizada, a companhia, presidida pelo ex-ministro Pedro Parente, comprou as fabricantes de molho de tomate Etti e Salsaretti, ambas da Hypermarcas, por R$ 180 milhões, e intensificou a disputa com a rival PepsiCo pela aquisição da biscoitos Marilan – em uma batalha ainda indefinida. A jogada que mais caracterizou a nova estratégia da Bunge de acelerar suas frentes de ataque, no entanto, foi a aquisição de 50% da ALE Distribuidora, a quarta maior rede de combustíveis do mercado nacional, com 1,8 mil postos de serviços espalhados por 21 Estados do País.

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Pedro Parente, CEO da Bunge Brasil:
"Não podemos perder o timing do setor.
A ordem é comprar uma rede de postos no Brasil"
Fechado na última semana de novembro, o negócio, segundo a DINHEIRO apurou, é estimado em R$ 1,2 bilhão – R$ 800 milhões em dinheiro e a assunção de dívidas de R$ 400 milhões com o Bradesco. A operação, que deverá ser anunciada oficialmente em fevereiro, depois de concluída uma auditoria interna promovida pelo comprador, promete inflamar ainda mais a guerra em um mercado dominado por poderosas distribuidoras, como a BR, da Petrobras; a Shell/Cosan, da Raízen; e a Ipiranga/Texaco, do Grupo Ultra. A julgar pelo seu apetite por aquisições, a Bunge, que faturou R$ 22,8 bilhões no País em 2010, está preparada para a briga tanto no segmento de distribuição de combustíveis quanto em uma de suas principais áreas de atuação, o setor de alimentos. Com a aquisição da unidade de negócios de alimentos da Hypermarcas, a Bunge mais do que dobra seu portfólio. Serão agregados aos 100  itens atuais, mais 122 das marcas Etti, Salsaretti, Puropurê e Cajamar.  
“A ampliação de produtos em nosso portfólio foi o principal motivo da negociação”, diz Adalgiso Telles, diretor de assuntos corporativos da Bunge Brasil. A operação reforça a presença em alimentos da Bunge, que em maio deste ano anunciou também sua entrada no segmento de atomatados por meio da marca premium Primor – tradicional em margarinas –, com atuação no Norte e Nordeste do Brasil. “Com os produtos da Etti e Salsaretti focados no Sul e Sudeste, teremos mais abrangência nacional”, diz Telles. No início de novembro, a Bunge perdeu a disputa pela fabricante de biscoitos Mabel para a PepsiCo. No sigiloso episódio da aquisição de uma fatia da mineira ALE, a concretização da compra põe fim a uma longa e conturbada negociação. Em dezembro do ano passado, executivos da Bunge se deslocaram da sede da empresa, em White Plains, nos arredores de Nova York, para o QG da distribuidora, em Belo Horizonte, com uma proposta praticamente irrecusável debaixo do braço: comprar 100% da empresa por R$ 1,1 bilhão.
 
A ALE, dona de um faturamento de R$ 7 bilhões em 2010, tinha uma conflituosa composição acionária: 50% de seu capital estava sob controle do grupo mineiro Asamar, do setor de construção civil. Uma outra fatia de 26% pertencia ao fundo de investimento Darby Overseas Investments. Os demais 24% da ALE estavam sob controle do empresário potiguar Marcelo Alecrim, fundador e atual presidente da empresa. O imponente valor proposto pela Bunge era idêntico ao preço pago pelo Grupo Ultra na compra dos dois mil postos da Texaco no País, controlada pela americana Chevron, com 200 postos a mais do que possui hoje a ALE.  Para a Bunge, cada tostão oferecido era justificável: terceiro maior fabricante de etanol no Brasil, com 900 milhões de litros, a empresa contaria de uma hora para outra com uma poderosa rede de postos de serviços, já pronta, para fazer chegar sua produção até o consumidor final.
 

O CEO mundial da Bunge, Alberto Weisser, anunciou em agosto à presidenta Dilma investimento de US$ 2,5 bilhões
 
A bilionária aquisição, no entanto, esbarrou inicialmente no desinteresse de Alecrim de abrir mão de sua fatia na rede, decisão que chegou a desencorajar os executivos da Bunge a fazer uma nova tentativa, num primeiro momento. “O Marcelo Alecrim é um nordestino de difícil trato, que quer ser conhecido como um self-made man do setor de combustíveis”, disse, naquela época, um alto executivo da Bunge. “Enquanto ele quer usufruir do glamour de ser sócio da Bunge em uma empresa que terá de crescer a qualquer custo e, evidentemente, se valorizar, nós temos pressa de nos livrarmos dos obstáculos acionários para conseguir fazer a empresa decolar.” Meses depois da primeira investida, a Bunge voltou à carga com uma nova proposta, a de contentar-se com uma fatia de 50%, mantendo o relutante Alecrim como acionista. Por essa metade, que pertencia ao grupo Asamar, o valor desembolsado pela Bunge subiu para R$ 1,2 bilhão.
 
O fundador, que teve seu pedido de preservação da marca ALE atendido, continuará como membro do Conselho de Administração da distribuidora, mas caberá à Bunge nomear o novo presidente. O outro acionista, o fundo Darby Overseas, venderá sua parte para o banco americano Morgan Stanley. A pressa e as concessões tinham razão de existir. No momento em que tentava ficar com o passe da ALE, a Bunge e seus principais concorrentes no ramo de distribuição de combustíveis executavam manobras estratégicas importantes. O Grupo Ultra já estava implementando um agressivo processo de expansão da rede Ipiranga, com a abertura de 400 postos só neste ano.  Ao mesmo tempo, a anglo-holandesa Shell e a brasileira Cosan, do empresário Rubens Ometto, que haviam anunciado no início de 2010 sua intenção de juntar as forças no segmento de produção e distribuição de etanol, estavam criando a  Raízen – a maior empresa de processamento de cana-de-açúcar do mundo, com faturamento anual de US$ 50 bilhões.

 
 
“Não podemos perder o timing do setor”, disse o CEO da Bunge, Pedro Parente, em reunião com seus executivos. “A ordem que vem da matriz é comprar uma rede de postos no Brasil.” A partir dessa determinação, a ALE era, de fato, a melhor alternativa para a Bunge. No fim de 2008, a empresa de Minas Gerais havia levantado R$ 400 milhões junto ao Bradesco para expandir suas operações. Com o dinheiro, a rede adquiriu, por R$ 130 milhões, os 327 postos da espanhola Repsol YPF,  que detinha 0,5% do mercado nacional de combustíveis. Com a aquisição, a ALE assumiu uma fatia de 4,6% do mercado e ampliou em 20% seu volume de vendas de etanol, gasolina e diesel, para 300 milhões de litros por mês. Naquele mesmo ciclo de aquisições, a empresa comprou, por um valor não informado, a rede catarinense Polipetro, que operava 130 postos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
 
As aquisições deram mais musculatura à ALE, que estava capitalizada com o empréstimo do Bradesco, transformando-a em um alvo ainda mais sedutor para a Bunge. Não por acaso, apesar das resistências iniciais de Alecrim, o presidente da ALE, a Bunge não desistiu da empreitada e voltou à carga. Em agosto, o CEO mundial da companhia, o paulista Alberto Weisser, revelou à presidenta Dilma Rousseff, em reunião fechada em Brasília, que o Brasil se tornara o foco dos investimentos estratégicos da Bunge para os próximos anos, especialmente nos setores de commodities agrícolas e biocombustíveis. Na ocasião, o executivo anunciou um plano de investimentos de US$ 2,5 bilhões no setor de açúcar e bioenergia no Brasil para o período 2012-2016, voltado, principalmente, para a expansão industrial das oito usinas do grupo, que processa 21 milhões de toneladas de cana por ano. “Em açúcar e bioenergia, o Brasil é o lugar ideal para se investir”, disse Weisser.

No fim de novembro, Parente,  CEO da Bunge no Brasil, reforçou a posição de Weisser, durante a inauguração da usina de etanol Pedro Afonso, no interior do Estado de Tocantins. “Cerca de 80% desse valor é destinado a dobrar o tamanho dos negócios do grupo em biocombustíveis, tamanha a nossa aposta no segmento”, afirmou o executivo. Além de se tratar de um importante avanço no campo dos combustíveis verdes, a decisão de reforçar os investimentos no Brasil e ampliar a diversificação com a compra da ALE, é uma forma de compensar a desaceleração no mercado interno das vendas da Bunge, em queda desde 2009, quando o seu faturamento chegou a US$ 15,4 bilhões. No ano passado, as receitas haviam caído para US$ 14,7 bilhões e a previsão é de que fiquem em torno de US$ 14,3  bilhões em 2011. Neste ano, todas as áreas de atuação da companhia, com exceção de fertilizantes, registraram resultado negativo até o terceiro trimestre.
 

A companhia, hoje a terceira maior produtora de etanol do país, ampliará em 50 mil hectares sua lavoura no Brasil
 
O pior desempenho foi observado na área de açúcar e bioenergia, que registrou Ebit (ganhos antes de impostos e taxas) negativo de US$ 43 milhões. Mesmo assim, a empresa resolveu reforçar-se nessa área e já decidiu ampliar em 50 mil hectares suas lavouras de cana-de-açúcar na próxima colheita, garantindo o abastecimento de matéria-prima para suas usinas, ao mesmo tempo em que amplia seu poder de fogo na distribuição de etanol e biodiesel. “Mesmo em um quadro de menor crescimento econômico, o mundo precisa de ofertas adicionais de culturas, de modo que os preços devem permanecer em níveis atrativos”, justificou o CEO mundial, Weisser. O desempenho da subsidiária brasileira se deu na contramão do grupo. No terceiro trimestre deste ano, por exemplo, a Bunge registrou um faturamento de US$ 15,6 bilhões, contra  US$ 11,6 bilhões em igual período do ano passado. Em 2010, o resultado mundial da Bunge atingiu a cifra de US$ 45,7 bilhões, com 30 mil funcionários e 150 unidades industriais no mundo. No ano anterior, as receitas haviam somado US$ 41,9 bilhões.
 
O fortalecimento da Bunge na indústria de distribuição de combustíveis virá em boa hora, especialmente para o etanol. Projeções da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) apontam que o Brasil terá de investir R$ 156 bilhões na construção de 120 novas usinas até 2020 para conseguir manter sua participação no comércio mundial de açúcar e para atender, no mínimo, a 50% da frota flex com etanol hidratado – hoje atende a 36%. Atualmente, o Brasil responde por 25% da produção mundial de açúcar e por 50% das exportações globais do produto, números que deverão aumentar de forma significativa em uma década. A atual moagem brasileira, de 550 milhões de toneladas de cana, deve duplicar para 1,2 bilhão até 2020. “O monopólio da Petrobras no refino de combustível e o fato de o Brasil controlar o preço da gasolina e do diesel está deixando o setor de distribuição, especialmente o de etanol, cada vez mais atrativo para as estrangeiras investirem”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie).
 
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O presidente da Ale, Marcelo Alecrim, manteve sua fatia de 24% , mas terá de passar o comando a um executivo da Bunge
 
O ousado plano de verticalizar as operações no Brasil aparentemente tem seus riscos calculados pela Bunge. Em um passado não muito remoto, o grupo chegou a ser um dos maiores e mais diversificados conglomerados industriais do País. Os negócios iam de seguros (Vera Cruz Seguradora, comprada pela espanhola Mapfre), passando pelo têxtil (Santista), cimentos (Serrana), química e até imobiliário. A empresa foi a incorporadora do Centro Empresarial de São Paulo, na capital paulista. Na primeira metade dos anos 1990, porém, a empresa, em crise, sofreu um processo de emagrecimento, e se concentrou basicamente em alimentos e commodities. O fato é que, nas últimas décadas, poucas companhias souberam pulverizar suas marcas tão bem quanto a Bunge. Seu nome não é conhecido no varejo, mas é dona de marcas tradicionais nos lares brasileiros. Entre elas estão as margarinas Delícia e Primor, o óleo de soja Soya, o azeite de oliva Andorinha, além dos produtos conhecidos no campo, como os fertilizantes Serrana, Manah e IAP.
 
Com a aposta da Bunge na indústria dos biocombustíveis, a compra da ALE tende a turbinar as operações brasileiras da companhia. As oito usinas da empresa processarão aproximadamente 30 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em 2012, quase 50% acima do esmagado neste ano. “Há sinais de que o governo, nos próximos anos, terá de estimular o setor de etanol, visto que a concorrência com a gasolina, que tem preço controlado, nos prejudica demais”, diz o presidente da Unica, Marcos Jank. Atualmente, os tributos representam 35% do preço da gasolina e 31% do preço do etanol. “Ao receber um tratamento tributário mais justo, o setor de etanol irá disparar, e, por consequência, as empresas que hoje estão no mercado vão crescer junto.” Procuradas, a Bunge e a ALE não comentaram a negociação.


 

Por Hugo CILO
Colaborou Marcio Orsolini
Tags: Bunge